quinta-feira, 10 de junho de 2010

Oi, meu lugar!


Há um lugar onde tudo muda

Onde as palavras trocam de nome

Onde a lembrança que é triste some

Onde se aprende o que não se estuda


Logo na entrada quem nos saúda

É o amor, com olhos de fome

Daí pra frente não há quem dome

Essa saudade que é tão graúda


E essa coisa que nos devora

Prende-nos lá e nunca mais solta

Tem sobre nós mando de senhora


E nos mantém sempre sob escolta

Conta segundos, não vê a hora

De, afinal, nos trazer de volta.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Seu tumulto interior

 
"Eu já a tinha visto de relance umas vezes, na saída da missa das onze, ali mesmo na igreja da Candelária. Na verdade nunca a pude observar direito, porque a menina não parava quieta, falava, rodava e se perdia entre as amigas, balançando os negros cabelos cacheados. Saía da igreja como quem saísse do cinema Pathé, onde na época exibiam fitas em série americanas. Mas agora, no momento em que o órgão dava a introdução para o ofertório, bati sem querer os olhos nela, desviei, voltei a mirá-la e não a pude mais largar. Porque assim suspensa e de cabelos presos, mais intensamente ela era ela em seu balanço guardado, seu tumulto interior, seus gestos e risos por dentro, para sempre, ai. Então, não sei como, em plena igreja me deu grande vontade de conhecer sua quentura. Imaginei que abraçá-la de surpresa, para ela pulsar e se debater contra o meu peito, seria como abafar nas mãos o passarinho que capturei na infância. Estava eu com essas fantasias profanas, quando minha mãe me tomou pelo braço para a comunhão. Hesitei, remanchei um pouco, não me sentia digno do sacramento, mas recusá-lo à vista de todos seria um desacato. Com certo medo do inferno, fui afinal me ajoelhar ao pé do altar e cerrei os olhos para receber a hóstia sagrada. Quando os reabri, Matilde se virara para mim e sorria, sentada no órgão que não era mais um órgão, era o piano da minha mãe. Tinha os cabelos molhados sobre as costas nuas, mas acho que agora já entrei no sonho."



















 É, Chico Buarque, dessa vez você acertou mesmo...

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Nada como a noite


Gosto muito de poesia e como o meu parceiro de longa data na amizade e na música, o historiador e cavaquinista Adolpho Ferreira, comentou em um dos posts, tive o meu tempo de máquina de poemas. Achei original a idéia do Mauricio Carrilho de compor um choro por dia no ano de 2005 e acabei aplicando a mesma na poesia. Era uma maneira de eu me desenvolver na escrita e de fazer algo que eu gostasse ao mesmo tempo. Daí, durante o tempo aproximado de 5 meses, quase todos os dias, saía um soneto e, vez ou outra, um haikai. Antes disso eu já tinha lido bastante coisa de vários poetas e, hoje em dia, eu tenho mais lido do que escrito. Eu escrevi isso tudo pra falar que é bonito pra caramba quando você se identifica tanto com os poetas, a ponto de você desejar ter escrito aquilo, não por querer ser o dono do poema, mas por ter se sentido tão bem lendo o mesmo. Já tem tempo que eu leio tudo que eu acho do Paulo Leminski e da Alice Ruiz, que são dois poetas que eu acho incríveis. Hoje comprei um livro da Alice Ruiz, que é o “[dois em um]” da Iluminuras. Eu li dois poemas há pouco que são uma beleza e que tem tudo a ver com essa hora, com esse “agora” que eu sempre reflito toda noite.



nada como a noite
escurece
e tudo se esclarece”


“tem os que passam
e tudo se passa
com passos já passados

tem os que partem
da pedra ao vidro
deixam tudo partido

e tem, ainda bem,
os que deixam
a vaga impressão
de ter ficado”

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Pausa para a folia

"No Flor do Sereno
também se zomba
Nãããão se admite
meia-trava, meia-tromba
Ninguém segura o nosso verde, azul e prata
A beleza do céu...
A luxúria da maaaata
Já a prata, se nos falta,
é barata e não amola
Ninguém no Rancho
é Nicolau ou é Cacciola!"

Regresso da Flor (Jayme Vignoli / Aldir Blanc)

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

O mais importante nunca se conta


Acabei de ler o conto (que é bem curto, por sinal) "Colinas como elefantes brancos" do Hemingway. Nele, um casal fica conversando numa estação de trem sobre uma operação que a moça terá que fazer. O cara fica dizendo o tempo todo que estará com ela e a apoiará, independente da decisão de operar ou não, mostrando que está com ela pro que der e vier. Ela, ao olhar pela janela do trem, compara algumas colinas que estão em seu campo de visão a elefantes brancos, o que, na verdade, é uma metáfora sobre o momento em que estão vivendo. O narrador e os personagens não dizem em nenhum instante qual que é a operação e isso vai prendendo o leitor. O Hemingway comparava a estrutura dos textos literários a icebergs, pois sua maior parte está imersa. É nessa maior parte que está a que interessa e ela nunca é dita. Cabe a quem está lendo tentar captar o que está acontecendo no resto do conto para tentar decifrar ou chegar perto de uma idéia mais próxima.

Essas metáforas não são só para os gêneros literários. Muitas vezes, nós dizemos o mínimo necessário sobre a nossa vida aos outros e acabam rolando histórias mirabolantes na cabeça de quem pouco (ou até muito) conhece sobre você. Assim como nos contos, acaba dando margem ao surgimento de histórias secretas, além da que está sendo narrada (ou vivida), de acordo com a interpretação de cada um...

"Colinas como elefantes brancos" é muito bom. É bem curto e vale muito a pena "perder" cinco minutos para lê-lo.

Pegando uma carona na idéia do iceberg, nós sabemos que quase todos têm problemas, dificuldades ou situações mais sérias, que demandam dedicação e tempo, além de pensamentos intermináveis. O importante mesmo é saber que é necessário enfrentá-los e seguir adiante. O iceberg pode ser grande, mas o que importa é a própria pessoa saber que é possível enfrentar qualquer dificuldade que esteja em seu caminho. Basta querer vencer.

Não é preciso fazer tanto mistério na vida real como se faz nos textos, mas se não houver mistério ou suspense algum, fica tudo tão evidente, tão previsto, que antecipa o fim de tudo e elimina a curiosidade que deve sempre existir sobre as pessoas que te fazem bem e que você quer bem.















(Será que as colinas realmente não podem ser como elefantes brancos?)

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Conselho

Esquece que nesse mundo há amargura
Esquece, meu bem, vê se esquece
Se a verdade não é nenhuma doçura
Não há mal que vença uma boa prece

Não prende teus anseios a uma tortura
E não fica parada se nada acontece
Se somos reles criaturas sem cura
Também somos a lua quando o céu escurece

Pensa bem, tenta fazer tua vontade
Mas define o que é o melhor para ti
E sonha forte o que tem que ser realidade

Só não fica nessa dúvida, nesse "se"
Não é nenhuma vergonha sentir saudade
O que vale disso tudo é saber sentir